(Artigo de Pe. Emanuel Cordeiro Costa com Certificado de Registro de Averbação na Fundação Biblioteca Nacional – EDA – Nº 544.726– livro 1036 – folha 490)
Não desconheço o valor e a grandeza da cultura popular. E que Deus dá sabedoria ao povo para caminhar enfrentando as agruras da vida. O próprio Jesus louva ao Pai por ter escondido a sua sabedoria aos grandes e cultos e a revelado aos pequenos (Mt 11,25: Naquele tempo, Jesus disse: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelastes aos pequeninos). No entanto a afirmativa feita indiscriminadamente: “A voz do povo é a voz de Deus” é perigosa pois normalmente não é o povo que a diz e sim alguma (s) pessoa (s) que fala (m), em nome do povo, aparentemente muito popular e ligado ao povo, mas nem sempre suas intenções veem de encontro aos anseios e interesses deste, fazendo um uso da frase de maneira bem ideológica para outros fins, seja para alguma justifica pessoal ou mais ampla.
Mesmo o povo sendo sábio, não podemos deixar de enxergar que a exemplo de todos nós, que este é manipulado e alienado pelos meios de comunicação social, redes sociais e pelos grandes da sociedade, que para ter domínio sobre o mesmo, agem com muita esperteza e astucia e com isso conseguem em muitos casos ter o povo em suas mãos, levando-os a conformarem-se com a sua situação e concordando com os dominadores.
Mesmo que seja alguma pessoa simples do meio do povo que usa a frase insistentemente e indiscriminadamente, comece a se perguntar quais os reais interesses desta pessoa.
Não se esqueça que a grande maioria dos corruptos eleitos, foram eleitos pelo voto popular. Além do mais, alguns exemplos do evangelho veem desmascarar esta afirmativa (“A voz do povo é a voz de Deus). Em Mt 27, 20-26 diz: 20 Porém os chefes dos sacerdotes e os anciãos convenceram as multidões para que pedissem Barrabás, e que fizessem Jesus morrer. 21 O governador tornou a perguntar: “Qual dos dois vocês querem que eu solte?” Eles gritaram: “Barrabás.” 22 Pilatos perguntou: “E o que vou fazer com Jesus, que chamam de Messias?” Todos gritaram: “Seja crucificado!” 23 Pilatos falou: “Mas que mal fez ele?” Eles, porém, gritaram com mais força: “Seja crucificado!” 24 Pilatos viu que nada conseguia, e que poderia haver uma revolta. Então mandou trazer água, lavou as mãos diante da multidão, e disse: “Eu não sou responsável pelo sangue desse homem. É um problemas de vocês.” 25 O povo todo respondeu: “Que o sangue dele caia sobre nós e sobre os nossos filhos.” 26 Então Pilatos soltou Barrabás, mandou flagelar Jesus, e o entregou para ser crucificado.
Aqui o povo manipulado pelos chefes dos sacerdotes e anciãos preferem que Jesus morra e solte Barrabás. Como fica a afirmativa: “A voz do povo é a voz de Deus.” Este mesmo povo manipulado pelas autoridades gritara pedindo a crucificação para Jesus e disseram que o sangue dele caia sobre nós e nossos filhos. Mais uma vez como fica a frase: “A voz do povo é a voz de Deus”.
Não é só no evangelho que vemos esta atitude do povo. No Primeiro Testamento (Antigo Testamento) o povo queixa contra Moisés e contra Deus. Um exemplo desta queixa vemos no livro dos números capítulo 14,11: Javé disse a Moisés: “Até quando esse povo vai me desprezar? Até quando se recusará a acreditar em mim, apesar de todos os sinais que tenho feito entre vocês?”
Então, vamos sempre com calma com esta afirmativa: “ A voz do povo é a voz de Deus” e não nos esqueçamos que na história humana muitos absurdos se cometeram em nome de Deus e em nome do povo. Mesmo sabendo que um dos mandamentos da lei de Deus nos diz para não tomar seu nome em vão.
Que nos perguntemos sempre o que querem e o que queremos com a afirmativa: “A voz do povo é a voz de Deus”. Quais os interesses, nada divino estão por trás da afirmativa? Quais os interesses que temos em utilizar a frase? Só assim vamos deixando de manipular o nome de Deus e usá-lo com o devido respeito que devemos ter.
ORIGEM
Sobre a origem da expressão: “A voz do povo é a voz de Deus”: é que as pessoas “consultavam o deus Hermes, na cidade grega de Acaia, e faziam uma pergunta ao ouvido do ídolo. Depois o crente cobria a cabeça com um manto e saía à rua. As primeiras palavras que ele ouvisse eram a resposta a sua dúvida”. Assim, “A voz do povo é a voz de Deus”.
VULNERABILIDADE DA OPINIÃO PÚBLICA
Esta vulnerabilidade no evangelho é bem clara, o povo aclama Jesus como rei e messias (Mt 21, 1-10 / Mc 11,1-10 / Lc 19,28-40) poucos dias depois as autoridades de Jerusalém fizeram a cabeça deste povo para gritar queremos que solte Barrabás e não Jesus. E gritaram também para crucificá-lo. Paulo e Barnabé são aclamados pelo povo deuses e depois alguns judeus com o apoio da multidão apedrejaram Paulo e arrastaram-no para fora da cidade (At 14, 8-20).
O POVO NÃO É UM GRUPO MONOLÍTICO
Quando dizemos “A voz do povo é a voz de Deus”, passamos uma ideia que este é um grupo monolítico. O que na verdade isto nem sempre ocorre. No At 14, 11-20, aqui fala que grande multidão em Icônio acolhera bem Paulo e Barnabé. É Claro que houvera pessoas para jogar alguns contra Paulo e Barnabé. Muitos ficaram contra os dois dispostos para apedrejá-los e ultrajá-los. E hoje, numa pesquisa de opinião, muitas vezes a opinião do povo fica dividida. Alguns ficam de um lado e parte do povo fica de outro. E mesmo não se dividindo, quando se fala de opinião popular, pensa na opinião da maioria. Mas sempre tem uma minoria, às vezes expressivas no meio do povo, que pensa diferente. Exemplo da História em nosso pais, quando Collor foi eleito pelo povo, milhões de votos não foram para ele e sim para o seu adversário Lula. Mesmo com a eleição do candidato popular Lula por duas vezes, não obteve 100% dos votos em nenhumas delas. Muitos trabalhadores não votaram nele. Como muitas mulheres não votaram em Dilma… Então o povo não é um bloco único. Nas eleições vemos até mesmo dentro de uma casa de gente simples e popular que nem todos os membros da família votam no mesmo candidato. Entre trabalhadores numa fábrica nem sempre votam politicamente num único candidato nas eleições. E quando tem eleições sindicais vemos que a opinião não é única.
O POVO TEM MITOS E ÍDOLOS COMO ACONTECE EM TODAS CAMADAS SOCIAIS
O exemplo bíblico de At 14,11-20 ilustra bem a criação de mitos e ídolos. E casos semelhantes a este da bíblia ocorre ainda hoje, não no mesmo nível, mas próprio de nosso contexto vemos crenças errôneas no meio do povo. Quando endeusa fanáticos políticos e religiosos que os exploram. Quantos loucos arrastam multidões que acreditam em seus discursos cegamente. Vejamos novamente o exemplo bíblico de At 14, 8-20. Paulo e Barnabé em Icônio foram aclamados pela multidão como deuses. Paulo de Hermes, Barnabé de Júpiter (deuses da mitologia grega) e os dois custaram convencer o povo que eram humanos. Não estou dizendo que Paulo e Barnabé são fanáticos aproveitadores, tanto assim que as posturas deles foram diferentes. Porém o que se vê na maioria dos casos do passado e de hoje em situações assim, pessoas que aproveitarem da boa fé e do sentimento religioso do povo. Se Paulo e Barnabé fossem pessoas aproveitadores do povo teriam explorados como fazem certos líderes políticos e religiosos que gostam de serem endeusados.
LINCHAMENTO
Quantas vezes a população por sentir ódio de alguém que comete algum crime detestável querem fazer justiça com as próprias mãos linchando a pessoa. No evangelho não vemos Jesus linchando ninguém e quando alguém quis fazer isso com uma mulher pega em adultério ele teve misericórdia para com ela. Quando a população quer fazer um linchamento esse absurdo não pode nunca ser voz de Deus.
TENTATIVA DE SUICÍDIO
Há de vez enquanto acontecimentos desta natureza, onde alguém no desespero e chamando atenção quer suicidar. (Como registra bem Cativos por Cristo. Editado por Marcony do HDA).
Alguém num certo desespero sobe num alto de um edifício e quer pular, enquanto a policia tenda dissuadi-lo desta loucura e outros profissionais, o povo que se aglomera em baixo começa a se impacientar e gritar para ele pular. Deus jamais pediu alguém para suicidar. E a vida é um dom de Deus. Se seguirmos aqui cegamente o ditado a voz do povo é a voz de Deus, ele está pedindo a pessoa para suicidar. A “voz de Deus” aqui pedindo absurdo.
CONCLUSÃO
Por inúmeras coisas que vemos sobre a cultura popular, devemos reconhecer o seu valor. Mas não a endeusar. Como não devemos criar mitos de nada que tem a marca do humano. Por mais méritos que o povo possa ter por serem os portadores preferências do amor de Deus e da igreja especialmente na América Latina, sua cultura é frágil como tudo que é humano. Portanto a voz humana traz as marcas das nossas imperfeições, equívocos, preconceitos, discriminações, falsidade, etc. Afirmar que a voz do povo é a voz de Deus como afirmar que qualquer grupo social ou classe tem a voz de Deus é colocar Deus do tamanho de nossas misérias e imperfeições o que Deus não é. È claro que Deus pode falar e fala a cada um de nós na pessoa do irmão, mas daí acharmos que tudo que dito é voz de Deus é falso.
Obs.: O artigo possui duas partes: a primeira está em verde e a segunda em azul. Algumas passagens bíblicas em Marrom. A primeira parte do artigo tem Certificado de Registro de Averbação na Fundação Biblioteca Nacional – EDA.
Artigo de: Pe. Emanuel Cordeiro Costa