O pai moderno, muitas vezes perplexo e angustiado, passa a vida inteira correndo como um louco em busca do futuro e se esquecendo do agora. Nessa luta, renuncia ao presente. Com prazer e orgulho, a cada ano preenche sua declaração de bens para o imposto de renda. Cada nova linha acrescida foi produto de muito trabalho. Lotes, casas, apartamentos, sítios, casa de praia, automóvel do ano — tudo isso custou dias, semanas, meses de luta.
Mas ele está sedimentando o futuro de sua família. Se partir de repente, já cumpriu sua missão e não vai deixá-la desamparada.
Para incluir cada vez mais itens na sua relação de bens, não se contenta com um emprego só — é preciso ter dois ou três, vender parte das férias, levar serviço para casa. É um tal de viajar, almoçar fora, fazer reuniões, preencher a agenda — afinal, um executivo dinâmico não pode fraquejar.
Esse homem se esquece de que sua verdadeira declaração de bens, o valor que efetivamente conta, está em outra página do formulário do imposto de renda — naquelas modestas linhas, quase escondidas, onde se lê: relação de dependentes. São os filhos que colocou no mundo, a quem deve dedicar o melhor do seu tempo.
Os filhos, novos demais, não estão interessados em propriedades e no aumento da renda. Eles só querem um pai para conviver, dialogar, brincar.
Os anos passam, os meninos crescem e o pai nem percebe, porque se entregou de tal forma à construção do futuro, que não participou de suas pequenas alegrias. Não os levou nem os buscou no colégio, nunca foi a uma festa infantil com eles, não teve tempo para assistir à coroação de sua filha como rainha da primavera.
Um executivo não deve desviar sua atenção para essas bobagens. São coisas para desocupados.
Há os filhos órfãos de pais vivos, porque estão entregues — o pai, para um lado, a mãe para o outro e a família desintegrada. Sem amor, sem diálogo, sem convivência. É essa relação íntima que solidifica a fraternidade entre irmãos, abre caminho no coração, elimina problemas e resolve as coisas na base do entendimento.
Há irmãos crescendo como verdadeiros estranhos, que só se encontram de passagem em casa. E, para ver os pais, é quase preciso marcar hora.
Depois de uma dramática experiência pessoal e familiar vivida, a mensagem que tenho para dar é: não há tempo melhor aplicado do que aquele destinado aos filhos.
Dos dezoito anos de casado, passei quinze absorvido por muitas tarefas, envolvido em múltiplas ocupações e totalmente devotado a um objetivo único e prioritário: construir o futuro para três filhos e mulher. Isso me custou longos afastamentos de casa. Viagens, estágios, cursos, plantões no jornal, madrugadas no estúdio de televisão. Uma vida sempre agitada, tormentosa e apaixonante, na dedicação à profissão — que foi, na verdade, mais importante do que minha família.
Agora estou aqui com o resultado de tanto esforço. Construí o futuro, penosamente, mas não sei o que fazer com ele, depois da perda de Marcelo e Renata. De que vale tudo o que juntei, se esses filhos não estão mais aqui, para aproveitar isso com a gente? Se o resultado de trinta anos de trabalho fosse consumido agora por um incêndio e, desses bens todos, não restasse nada mais do que cinzas, isso não teria a menor importância. Não ia provocar o menor abalo em nossa vida, porque a escala de valores mudou e o dinheiro passou a ter peso mínimo e relativo em tudo.
Se o dinheiro não foi capaz de comprar a cura do meu filho amado, que se drogou e morreu, não foi suficiente para evitar a fuga de minha filha, que saiu de casa e prostituiu-se e dela não tenho mais notícias, para que serve? Para ser escravo dele?
Trocaria explodindo de felicidade todas as linhas da declaração de bens por duas únicas que tive de retirar da relação de dependentes: os nomes de Marcelo e Renata. E como doeu retirar essas linhas na declaração de 1986, ano base de 1985!
Marcelo morreu aos quatorze anos e Renata fugiu um mês antes de completar quinze.